Propomo-nos, deste modo, revisitar a Grande Guerra e os seus efeitos, com incidência nas suas representações históricas, culturais, artísticas e literárias, em função dos seguintes vetores de reflexão:
1. Teatros Periféricos da Guerra
Os cenários menores – ou aparentemete menores – da guerra incluíram as campanhas navais na costa sul-americana, as campanhas celebrizadas por Lawrence da Arábia no Médio Oriente (a disputa pelo petróleo), ou a África Oriental, onde se assegurava ser tão intenso o calor que nenhuma guerra poderia aí ter lugar, já que “todos derreteríamos como gelado ao sol”. Uma vez que a guerra foi parcialmente motivada pela disputa pelas riquezas coloniais, as possessões adstritas às nações europeias beligerantes parecem representar um espaço fecundo de investigação, à semelhança dos territórios que, como Portugal, começaram por adotar uma posição de neutralidade, tendo sido posteriormente arrastados para o conflito.
2. Transformações da Grande Guerra – a emergência do moderno
Pretende averiguar-se o impacto da Primeira Guerra Mundial na construção da modernidade. Muito do que hoje entendemos constituir o mundo moderno teve a sua origem em 1914-18, tanto em termos de condições materiais, como de mentalidades e de capacidade de resposta às circunstâncias. Não faltam exemplos de cada uma destas ordens de transformação. A rádio, que antes do início da guerra constituía um método eficaz de comunicação marítima entre navios, converte-se no primeiro meio de comunicação de massas, sete anos antes do fim do conflito. Análogo incremento se registou na indústria aeronáutica. As necessidades da guerra catalisaram a mudança, contrariaram a inércia e a resistência, fizeram as coisas acontecer. Também as mentalidades sofreram profundas transformações. O estabelecimento, na Rússia, de um estado socialista ocorreu com rapidez surpreendente. As condições, tanto materiais como ideológicas, propiciaram a emergência da denominada Idade do Homem Comum. A resposta sobre quem era esse indivíduo comum e qual seria o seu comportamento viria, em grande parte, a ser dada no decurso dos anos do pós-guerra. Em terceiro lugar, assiste-se, no termo da guerra, a um regresso dramático da doença, inimiga ancestral da humanidade, agora sob a forma da epidemia de gripe (espanhola) de 1918-1919. Nos bastidores destes eventos, contudo, inúmeros cientistas insistiam em compreender e controlar a natureza, podendo retrospetivamente afirmar-se que alcançaram sobre ela um domínio até então inédito. São quantiosos os exemplos de técnicas e procedimentos inovadores, desenvolvidos no período que medeia entre 1918 e 1930. As conquistas verificadas no campo da cirurgia plástica, por exemplo, foram consequência direta da abundância de ferimentos de guerra.
3. Vidas deslocadas
No período de 1914-18, foram milhares as famílias separadas, divididas ou adiadas por relações colocadas entre parêntesis. Foram também inúmeras as pessoas deslocadas, com vidas desorganizadas pela guerra, surpreendidas por ela em trânsito, não combatentes em território neutro ou hostil, instados a tomar partido ou impedidos de regressar a casa. Após o fim do conflito, estes exilados reencontraram-se com nações, casas e entes queridos tragicamente transformados. Que relatos da sua experiência deixaram estes indivíduos – famosos ou obscuros – em deslocamento? Em que medida o desenraizamento coercivo, a separação e o exílio reconfiguraram o sentido de pertença e identidade expresso na criação artística desse período?
4. Micronarrativas dos anos de guerra
As memórias, os diários e as cartas constituíram documentos humanos de importância crucial, por permitirem registar o impacto da guerra numa época que não assistira ainda ao advento das novas tecnologias da comunicação. Esta área temática da conferência visa incidir sobre o estudo dos registos intimistas da experiência de guerra, produzidos a partir de casa ou dos teatros de combate, e esclarecer o modo como estes escritos instabilizam a noção de cânone literário. Com efeito, por vezes recusando expressamente um estatuto literário e inscrevendo-se num espaço extracanónico, estes autorretratos do sujeito dilacerado não deixam, por vezes, de articular-se produtivamente com os textos já legitimados pela instituição literária, como a poesia da Grande Guerra. Particular pertinência reveste ainda o estudo da reportagem de guerra, visto que, em virtude do exercício da sua profissão, os seus autores tinham acesso privilegiado às zonas de combate, conseguindo, portanto, construir relatos mais íntimos e pormenorizados dos acontecimentos. Certo é que as formas e a escala inéditas deste conflito internacional não deixaram de instigar novas modalidades (para)literárias de indagação do real, mesmo sob ameaça permanente de novas estratégias de propaganda e censura.
Data limite de inscrição: 20 de julho de 2015
Comunicação aos autores da aceitação das propostas: 25 de julho de 2015